sexta-feira, 2 de março de 2012

ADEUS DE EUGÉNIO DE ANDRADE

TRANSCRIÇÃO DUM POEMA DE EUGÉNIO DE ANDRADE
DO ANO EM QUE NASCI E POR SER TÃO BELO DIVULGO EM
HOMENAGEM HÁ SUA MEMÓRIA

Já gastamos as palavras pela rua, meu amor
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastamos tudo menos o silêncio.
Gastamos os olhos com o sal das lágrimas,
gastamos as mãos à força de as apertarmos,
gastamos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mas tinha para dar.

Às vezes tu dizias:os seus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava
Acreditava
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo em que o teu corpo era um aquário
no tempo em que os meus olhos
eram peixes verdes
Hoje são apenas os meus olhos
É pouco mas é verdade
uns olhos como todos os outros.
Já gastamos as palavras
Quando agora digo:meu amor
Já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

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